terça-feira, 5 de novembro de 2019

Ainda pinto quadros


Eu quero dividir a cama,
—ainda—
a cozinha, a mesa posta.
te ver abrir o jornal e escutar 
passaram-se dez anos
   hoje vamos nos casar— 

Ainda pinto quadros
para qual endereço
devo enviar?


segunda-feira, 7 de outubro de 2019

Esquadrinhando

"Vocês sabiam que existem mais de 4.200 Luandas no Brasil?" 

Eu disse uma vez em uma aula de Lógica Simbólica quando o professor colocou meu nome como se fosse algo exclusivo e identitário meu, como se o fosse, e o é. "Vocês sabiam que existem mais de 4.200 Luandas no Brasil?" Nesta mesma semana discutimos seriamente —ao meu ver— pela primeira vez por telefone. Acabou. Tudo estava acabado e àquela sensação arrasadora tomou conta de mim, e me vi gritando por um aparelho no meio do estacionamento do antigo prédio em que eu  estudava.

Estudei quatro anos no Centro de Filosofia da UFPE, quatro anos de sentimentos mistos de aventura. Apenas oito anos depois ele veio fazer sentido para mim, o prédio. De lá, ouvi histórias do meu pai, dizendo que sentava com os amigos no "pau do poeta" algo assim, e filosofavam sobre a vida. Lá passei pela primeira vez para um curso superior, eu iria estudar Filosofia, mas desisti e fui estudar Geografia. Também foi lá onde vomitei minhas primeiras ressacas de paixão, no ano de 2007. Igualmente onde cortei o cabelo de uma amiga pela primeira vez. Este ano eu voltei, após dez anos sem pisar no sexto andar, renovada e feliz. Lá, fiz grande amizades, escrevi alguns poemas, li livros arrasadores que quase fizeram eu me atirar do décimo terceiro andar.

Lembro do dia em que puseram tela nos janelões das varandas do edifício e eu ouvi uma piada machista de um esquerdomacho amigo meu, que sempre tentou me comer e eu nunca dei, graças a deus. Ele falou: agora sim, tá parecendo um galinheiro. Hoje em dia ele mora no Rio, cidade que ele considera fácil deitar qualquer mulher em sua cama. Estava implícito que ele se referia às mulheres, embora não tenha dito. E veja, ele era o galinha da Geografia, o galinha legal já que nunca fez galinhagem comigo e minhas amigas, mas era o galinha sim. 

Quatro mil Luandas no Brasil. Quatro anos de geografia para nunca haver pesquisado sobre nenhuma outra Luanda. Quando era adolescente fiz amizade com uma Luanda, por uma rede social que bombava na época, o fotolog. Uma vez fiquei com um menino em Garanhuns. Eu estava completamente consciente que estava bêbada. Já era de manhã. Eu havia dito pro meu pai que iria para um luau no Janga ou em Boa Viagem, não lembro, e fui parar no TIP com minha melhor amiga para um bate-volta louco em Garanhuns. 

Pois bem, já era de manhã e minha amiga estava se agarrando com algum cara e eu só pensava na hora em que o ônibus sairia de Garanhuns rumbo ao Recife. Esse cara bonito veio me beijar e eu permiti. Não lembro se queria. Por motivo de pressa e cachaça passei meu telefone. Dias depois ele ligou. Ainda não entendo, nem me recordo porque dei o número do telefone de casa. Pedi para meu pai dizer que eu não estava. Ele mandou e-mail. Não respondi. Ele escreveu um poema.

Anos depois ele casou com outra Luanda, essa que eu conheci através do fotolog quando era adolescente. Ainda sou louca para perguntar se ele findou dando o poema a ela, afinal era outra Luanda e a poesia para Luanda já existia. Nunca perguntei. Há alguns semestres eles se separaram e ele retomou à fixação sazonal de ser legal em forma de verso. 

Houve uma noite em que estava acompanhada no meu bar predileto da cidade e ele mandou uma mensagem, do nada. Não havia nenhuma outra conversa anterior, mas a mensagem chegou. 

As mensagens têm esse poder, elas chegam e você não sabe o que fazer com elas. Não fiz nada, nem sequer refleti sobre o tema. Meses depois estou aqui refletindo metade sobre. Talvez ainda não tenha digerido o suficiente. 

Recebi alguns poemas no caminho, de outro rapaz também. Foda de ter o nome Luanda é que os esquerdomachos da cidade não podem ouvir uma música com seu nome que vêm querer fazer poesia ou graça com isso. E eu não estou aberta para nada disso. Não estou. 

Não me importa se você vai me mandar uma mensagem às 6am dizendo que como Alceu Valença você ao acordar pensa "Luanda, Luanda, onde estáis?". Ou como o outro que me beijou uma vez e tirou um poema da manga. Ou, ainda, como um ex, que ganhou um concurso de poesia com um poema dedicado a mim. Vocês me agoniam, fazem com que eu me sinta mal. Eu só quero sair e beber com minhas amigas em paz, e pensar, e lembrar, e chorar, e falar dele. Ouvir argumentos contrários só para ter mais certeza ainda deste meu sentimento. O homem que eu gosto não gosta de mim. 

sexta-feira, 13 de setembro de 2019

Fantasia

queria estar sentada
tomando cachaça
à beira-mar
mas estou aqui sentada
nesse sofá verde-
musgo, lembrando
de uma cerveja
que um dia tomamos.
Eu estou sentada
nesse sofá
planejando aulas
evitando outro homem
dos poucos muitos
que venho evitado.
Este,
eu não quero encontrar.
Fantasia.
Ausência empurrada.
Anestesiada
como poeira fina
esbranquiçada de
Jardim Atlântico.
Se eu realmente estivesse
sentada, na beira da praia
estaria era dentro d'água
cantando Clara Nunes
com um sorriso nos lábios
e, talvez eu lembrasse
que queria estar contigo ali,
ou simplesmente eu findasse
entregando meu destino
à corrente daquela praia
de água quente no pontal
do nordeste, de Pernambuco.

quinta-feira, 5 de setembro de 2019

Uma principiante que promete muito

Antes do almoço eu aproveito para escrever uma carta, não a carta, talvez esta nunca exista. Considero que as palavras se vingam de mim. 

O pessoal tem a mania de dizer "Em Santiago, no Chile", "Em Buenos Aires, na Argentina", mas nunca falam "No Recife, no Brasil", ou, sem implicância linguística "Em Recife, no Brasil".

No Recife, do Brasil, mais um dia caótico se passa, como os dias por aqui normalmente o são. Já é começo de setembro, e o tempo está com a cara da cidade, que tem a cara das pessoas e das confusões internas que cada uma leva dentro de si.

Há dias que meu corpo tem dado sinais. Esses 10% de alergia que se iniciam, mas não progridem espelham bem a bagunça estagnada aqui. Metade da minha bochecha está inchada, metade não. Sinto a mucosa da pele inchar por dentro e ocupar exatamente 10% do espaço interno da boca. Meu estômago está tão sensível que ferve por dentro, sinto borbulhas estourando no esôfago, embora eu não saiba exatamente onde ele fica.

Ainda lembro do sonho em que tatuava teu nome e não rio mais. Tudo fica turvo, quando paro para pensar que estou pensando em você. Queria expurgar essa represa de choro guardado. Amanhã é sexta-feira e tenho medo de sair e me exceder nos excessos rotineiros. Fico pensando se há uma solução mais fácil, mas não encontro sequer uma difícil. Permaneço com a realidade que já me é bastante fudida.

Dizem que classe média sofre, mas olhe, a autocrítica anula um por dentro.
Hoje é um dia calorento nesse inverno recifense, acho que posso ir embora pra sempre a qualquer instante. Só queria encontrar uma maneira de não te levar comigo aonde quer que eu fosse.

Acho que estou precisando de óculos. Estes dias vi uma imagem no instagram de um autor português que gosto em uma parede com asas de borboleta. Eu deveria escrever sobre esse tipo de coisa.

segunda-feira, 26 de agosto de 2019

Sou toda coração

Talvez a gente não tenha nascido para ficar com o amor da nossa vida. Pensei nessa frase e segui dirigindo, fazendo o caminho que sempre te pegava, atrasada, como sempre. Dessa vez estava adiantada, indo em direção ao trabalho. Adiantada na questão de horas, atrasada no acúmulo de trabalho. Precisava respirar. Olhei pra ponte e quis descer para olhar a paisagem. Essa ponte sempre vai me lembrar você, das vezes que passava por ela e ia te deixar ou te pegar na casa de tua irmã. Uma cunhada que nunca conheci.

Tenho pensado tanto em meus avós. Voinha sempre me dizia que eu nunca deveria entregar o ouro ao bandido, já meu avô me dizia tanta coisa, das muitas hoje lembrei da canção de Noel e da fala de voinho: só quero flores em vida. Será o benedito que eu nunca vou te dar flores? Tenho teu endereço, mas tu moras longe. Melhor deixar para lá. Ando cansada.

Talvez a gente não tenha nascido para ficar com o amor da nossa vida. Pensei em você, vislumbrei que pode ser a primeira frase do livro que farei para ti. Quem sabe daqui há uns anos você lê. Lembrei do sonho que você teve e uma vez me contou, gostaria hoje de estar nele, com nossas famílias juntas, na praia.

Tanto pensamento intenso borrado pelo descontrole. Minha aluna fez uma sinastria amorosa de nossos mapas. Uma vez um rapaz que eu gostei fez nossa sinastria, minha e dele, eu até hoje digiro sobre isso. Um cabra fez uma sinastria amorosa, por telefone, ainda lembro. Ano passado falei para ele no motel: quando quero gozar fecho os olhos e penso em você. Isso foi antes de te conhecer. Mas você nunca acredita em mim. É foda.

Difícil ser cem por cento gente boa e equilibrada e pensar "ele só está numa fase X, continua agindo desse jeito e ignora que vai dar certo", eu não sou assim. Te liguei porque estava com saudades, você me ligou talvez por estar também. Eu tenho certeza, você tem incertezas, isso não basta para mim. Eu sou hipócrita ao ponto de me expressar perfeitamente mesmo sabendo de todas as loucas consequências. Às vezes penso que seus comentários tóxicos têm razão, sou doida mesmo. Por você.

Recife, 26 de agosto de 2019.

sexta-feira, 23 de agosto de 2019

Em crise

Estou ouvindo Jards Macalé no alto sertão de Pernambuco. Lá fora há vida. Quero crer que estou de tensão pré-menstrual e meu mundo não está desabando sob meus pés. Enquanto a música toca dramaticamente nas alturas aqui nesse quarto a luz pisca, eu olho para os objetos que arrumei irracionalmente na mesa que não é minha,  na mesa em que não vou ficar, e confiro pela segunda vez se eu trouxe a lanterna que minha mãe me fez comprar quando passei em um curso noturno na federal. Desliguei o celular, minha gastrite está atacando e eu só penso em ir lá fora pedir uma pizza e comer vendo Netflix, mas sei que vou chorar. Não quero mais isso.

Gostaria muito que qualquer outra professora substituta mulher houvesse vindo junto comigo. Lembro que da vez passada quando vim à Ouricuri uma professora veio comigo, evangélica, jovem, recém casada. A convenci que deveríamos muito conhecer a noite de sexta-feira de Ouricuri e fomos, a pé. Perguntamos ao dono da pousada se havia uber, ele perguntou "o que é isso?", explicamos que era uma espécie de táxi mais barato, ele retrucou que já havia andado de táxi alguma vez, mas que na cidade existiam vários pontos de moto-táxi. Agradecemos e fomos a pé, falando do pouco da pouca estrutura da cidade que mal conhecíamos. Lembro que bebi, pensando em tudo e em ninguém, mas quem chorou foi ela, sem beber, em plena sexta, a plenos pulmões, falando de problemas pessoais que tinha com a mãe. Um gatilho ativado ao falar da festa de casamento, e do carinho que sentia pelos avós, mas não pela mãe. Ela como cristã vive esse conflito interno de haver brigas com a mãe, ela é evangélica, a única da família. A mãe não entende porque ela entrou na igreja. Lembro que ela não me deixou dormir, me fez contar todos os causos amorosos que tive, parecia estar se deliciando como uma leitura de um romance. Dias desses encontrei com ela e falei do amor da minha vida. Ela quer marcar um café para eu contar tudo, tenho evitado. Hoje eu gostaria que ela estivesse aqui. Naquele dia não, naquele dia ela não me deixou descansar, quando eu parava de falar sonolenta, imergindo no sono ela me despertava na cama solteira ao lado. Ia ser difícil descansar de qualquer jeito, o quarto era infestado de ácaros.

Hoje eu quis retornar àquela pousada, por ser perto do centro e haver a possibilidade de ir sozinha para algum bar. Beber e tweetar. Quem sabe mandar uma foto para o menino que eu gosto, outra pro meu pai, a mesma para mãe e irmão. Só pode ser TPM. Estou muito sentimental. Pensei em fazer outra promessa. Mas pensei em começar a não fazer promessas. Para a santa. Talvez comece a fazer para mim, e cumprir. Tudo está pesado dentro de mim e reduzo facilmente a pequenos atos irracionais, como o desejo louco de comer uma pizza e ficar de boa com isso. Ninguém me entende. Será mesmo? Às vezes penso se ajo para que ninguém me entenda porque fico feliz com esse não entendimento. Talvez não ser entendida me satisfaça nessa sociedade. Talvez não ser entendida me magoe entre os meus. Difícil ser eu. 

Encomendei dois florais. Estou pensando em como eu precisava de um agora. Sentei com um começo de crise de ansiedade e abri o computador e comecei a escrever. Está passando. Talvez eu seja dessas doidas compulsivas que em crise flui tudo. Talvez eu esteja bem em me aceitar finalmente assim. Eu queria gritar pro mundo a dor que estou sentindo, mas ninguém me entende, acho que nunca vai entender. Talvez eu realmente não saiba me expressar. Pode ser. A luz acabou de queimar.

quarta-feira, 7 de agosto de 2019

Mundo de fantasia

Eu não sei bem quando escutei isso pela primeira vez "Você vive no mundo da fantasia!", talvez tenha sido meu pai proferindo palavras voraces depois de eu haver feito algo que ele classificara como merda. O fato é que há mais ou menos um mês tenho ouvido isso toda terça-feira nas sessões de terapia.

— Você vive no mundo da fantasia.

Podendo haver alterações nesta sentença trocando o "da" por "de", "no" por "num" ou "o".

— Você vive o mundo da fantasia.

— Você vive num mundo de fantasia.

Eu fico me perguntando se eu perguntei a estas pessoas onde vivo. Mais fácil haver perguntado uma vez ou outra para aonde vou. Eu sei onde eu vivo, e não tem nada de fantasioso. Desculpa, eu não enxergo o mundo sob lentes cor-de-rosa. O que eu vejo me dói demais, de fato dói em mim. Fosse para escolher uma cor eu não sei qual seria, mas com certeza não seria cor-de-rosa, muito menos sépia. 

Uma vez durante a graduação encontrei meu orientador conversando com um professor que admiro muito, até hoje, embora ele tenha aspecto de gente maluca mesmo. Ele olhou pra mim, e ao me ouvir falando em espanhol com meu orientador colombiano proferiu: você é de espanhol? ah, veja como a tarde está sépia. Fiquei calada fitando os dois, imaginando se estavam chapados ou se havia alguma droga no copo de café de 50 centavos que eles estavam segurando. Meu orientador sorriu, como se os dentes me indicassem o caminho da saída, embora estivéssemos em um pátio livre, aberto, enxerguei o caminho da saída e deixei os dois com a impressão que um via o mundo em sépia, e o outro nas cores LGBTQ e havia me enxergado como uma suave amenaza.

Quando pequena minha mãe não me comprara nada cor-de-rosa. Nada. Eu chorava, porque todas as minhas amigas na escola, e na avenida Jules Rimet em Rio Doce, todas, sem exceção tinham peças rosas de roupa, calcinha, short, blusa, diadema, caneta, estojo, bolsa, enquanto eu não tinha nada. Eu tinha uma camisa que era verde limão cheguei, essas cores vibrantes que chamam de neon, ela tinha um pedaço rosa-choque e eu adorava usar essa camiseta só porque tinha esse pedaço cor-de-rosa-choque. 

Eu tampouco podia assistir o programa da Xuxa, assistia escondido sempre que podia. Não gostava, nunca gostei. Mas só porque me proibiam eu queria ver. Hoje em dia eu tenho caneta rosa, blusa rosa que fica encostada no guarda-roupas - talvez por ela ser de exercício e eu ser extremamente sedentária - e uma mochila cor de rosa cheguei que eu uso todos os dias. Parece que o trauma foi superado com semi independência financeira onde eu possa comprar o que eu quiser, da cor que eu bem queira.

Acho engraçado associar uma cor à "fantasia", delírios mentais. Eu talvez, se quisesse, poderia associar cor a sentimento, mas nunca o fiz. Qual seria a cor da alegria pra vocês? Não sei porque fiz essa pergunta. Na verdade quando quero perguntar algo sempre tem relação ao amor. Na verdade, eu queria ter escrito primeiro "Qual a cor do amor para vocês?". É por isso que minha psicóloga diz que eu vivo no mundo da fantasia. O que é viver no mundo da fantasia? Olha, eu não tenho óculos com lentes coloridas para ver o mundo em sépia, como o estimado professor de literatura, não tenho óculos cor-de-rosa para ver o mundo desde a nave da Xuxa, tampouco um amarelo para ver as coisas meio Dua Lipa. Eu creio enxergar o mundo como ele é, desde a perspectiva e experiência de vida que tive e pretendo ter. Sem filtro eu já erro, imagina pintando uma escada imaginária até um céu de sociedade perfeita. Que loucura.

Eu não concordo com muitas coisas que me são ditas. Acho que meu primeiro impulso é discordar, antes mesmo de ouvir. Não é que eu não ouça, eu não dou tempo para assimilar. Esse mundo é tão fodido, e por muitas vezes fui sempre cortada no que queria dizer, expor, me expressar que qualquer que seja a pessoa quando fala algo eu já penso "não concordo", e eu sei que estou errada. Porque tudo que é arbitrário é ruim. Tenho essa consciência.

Às vezes tenho vontade de levar uma amiga para conversar com minha psicóloga, porque quando escuto algumas coisas a vontade que tenho é de bocejar deliberadamente. Embora ali eu jogue as pedras no chão ao entrar, eu escuto coisas absurdas. Eu acho que ela não sabe escutar. O mais interessante é que na teoria do espelho tudo faz sentido. Estou aqui falando impressões que tive das minhas últimas terapias e isso quer dizer muito de mim. Bastante. 

Mas acreditem, eu não vejo o mundo cor-de-rosa. Ele perdeu a cor para mim quando meu primeiro cachorro morreu, Tek. Quando vi minha avó receber uma entidade em casa e dizer que tal coisa, se a gente fizesse, meu avô melhoraria e se curaria do câncer, me senti enganada e com raiva da minha avó  por muitos anos. O mundo perdeu a cor quando ele morreu. Hoje almoçando, cansei de ver Netflix e cliquei no botão exit do controle da tv, que pulou automaticamente para o Globo News, estava passando uma reportagem sobre feminicídio, onde havia uma adolescente ao lado da mãe falando que "a gente nunca está preparado para perder alguém". Meu pai virou no sofá e sentou. Eu fiquei bem séria fitando ele, que não me enxergava. É impossível ver o mundo cor-de-rosa quando a gente tem a consciência de que se pode perder alguém. Mês passado perdi o amor da minha vida, ou achei que havia perdido. Também quase perdi nosso cachorro, Leônidas, e passei maus bocados, apelei pro divino e fiz promessas que insistem em me dizer que não conseguirei cumprir. Hoje fiquei mal pensando que qualquer dia posso perder meu pai. Alguém pode dizer praquela psicóloga que eu não vejo o mundo cor-de-rosa? Ou melhor, digo eu. Que posso ser vista como frágil, como alguém que gostaria de subir na nave da Xuxa ou simplesmente ter a liberdade de assistir essa merda de programa.

sexta-feira, 12 de julho de 2019

12 de julho de 2019

Nos últimos dias voltamos a nos falar e do inferno ao céu eu consegui nos visualizar. Agora, provo desse azedume espesso que sinto ao raspar os dentes em minha língua. Acordei doente, já levo dois dias me tremendo quando penso em tudo que tenho para dizer. O lado direito do meu corpo dói, certeza que se eu comentasse você soltaria alguma piada ruim sobre seu companheiro de apartamento que trabalha vendendo colchões e mora no interior. Você insiste em me perguntar: quer me dizer alguma coisa, Luanda?

Quando estamos razoavelmente bem você me chama de Lua, “quer falar alguma coisa, Lua?”, como um garoto que tenta convencer a mãe que o feito de assistir Tela Quente não é tão tarde assim e que em nada irá prejudicar na ida ao colégio na manhã seguinte. O meu irmão me chama de Lua quando quer algum favor. Mas você é diferente. Parece que o ato de me chamar pelo apelido provoca coisas inquietantes. Parece que ao abrir a boca, correndo pela rua tentando chegar à psicóloga você me convence. Seu timbre, seu tom de voz me preenchem. Qualquer amante viril classificaria isso aqui como basura. Só para combinar eu poderia arrotar esse gosto ocre que retomou à face.

Você insiste em se afastar. Apesar de falar comigo o dia inteiro. Ontem você foi à yoga com cinco meses de atraso. Atraso de presença física e espiritual. Não o de inadimplência. Fechei os olhos e fiquei sentindo tua voz falando que entrou em uma sala fedorenta. Não sei até que ponto meu corpo entrevado deve aguentar esse movimento diminuto, que não vem dos barcos, mas da vontade de te admirar.

Joguei a caixa de ovos fora, guardei o furioso foda-se em algum lugar do passado, talvez na gaveta junto com o caderno com um poema mixuruca que antecedia o São João. Este, guardo pro fim do mês, ainda não acredito que vou te entregar em mãos.

As pessoas não gostam de ser olhadas

As pessoas não gostam de ser olhadas

Hoje, no laboratório, na espera para colher sangue havia um rapaz franzino, raquítico, de cabelo raspado. Fiquei imaginando se ele era assim de nascença ou se, obviamente, estava com alguma enfermidade.

Peguei o celular do bolso, mas antes abri a bolsa para verificar pela enésima vez se a amostra de urina havia vazado ou caído do bolso lateral interno da bolsa que eu levava.

Vejam só, entre vazar e cair há uma diferença enorme, talvez atrapalhasse o cronograma de afazeres de toda a minha semana, sem contar no horror que estou sentindo desde que coloquei essa imitação barata, de plástico, de tubo de ensaio na minha bolsa.

Após verificar pela quarta vez que ele estava lá, em pé, envolto nas instruções impressas que a recepcionista me deu ontem, percebi que o celular não estava na bolsa, e sim no bolso direito traseiro da calça jeans.

Parece que fiquei no celular mais de duas horas, aguardando ser chamada, mas nos primeiros 10min perdi o interesse. Verifiquei todas as redes, enviei dois emails, escrevi no Twitter na esperança que alguém me lesse. Enviei mensagem no Instagram a um amigo que gosto muito. Ignorei alguns parentes no Messenger. Outros tantos no WhatsApp.

Vi um quadro bonito. Parecia antigo, ao menos minha memória traumaticamente afetiva assim deu o parecer. Parecerista de quadros dá o nome de um livro curto, de contos ruins, de uma menina que se apaixonou por um rapaz no Rio de Janeiro.



Recife, 04 de abril de 2019.
                  (segunda carta)

quarta-feira, 3 de julho de 2019

Ojalá


Ojalá el amor me encuentre
tomando mi cerveza favorita
en la ventana favorita
de mi bar predilecto
de la ciudad.
Aunque no me lo encuentres,
piénsalo: cambia de ciudad
pues estaré en el balcón
coqueteando el camarero
como si allí no estuviese
por siempre a te esperar.

domingo, 16 de junho de 2019

Todo quarto


Machuca mas não mata

O amor
passou por
cima de mim
como se
fosse um
caminhão
capenga
em dia
de chuva,
a 10km/h.



Maldito domingo



Espalhei aos quatro cantos que iria te ver
Não deu certo
Voinha sempre dizia:
quer que dê certo? não conte a ninguém.
Eu não a ouvi.
eu também nunca escuto
temos mais esse defeito em comum.
Já é o terceiro local que eu decido não ir nesse feriado
Quanto mais distante melhor
Não quero contato
embora te queira por perto.

terça-feira, 11 de junho de 2019

Junio


escribo
leo
no me veo
ni te encuentro


Para você que gosta de planificar o futuro


Eu me lembro bem, apesar de minha pouca boa memória
No começo eu não queria andar de mãos dadas. 
Eu não queria saber de tua vida. Eu não queria, 
caralho, eu não queria, perguntar do teu dia;

Mas, como todo homem, você nunca me escutou
e me convenceu que convencida eu estava
- enquanto processava tudo lentamente - 
Agora, degusto da autocrítica provinda
de horas sozinha, calada

Tua vitória veio fácil e certeira
talvez, lá no fundo, eu realmente 
quisesse me importar, mesmo. 

Vou tentar simplificar:
você não entende nada
de amor ou poesia
e fica querendo ditar
meu jeito de te amar.
Fui rígida e dicotômica novamente?


quarta-feira, 5 de junho de 2019

Ouvindo Caetano lado B


eu tinha um amigo grosseiro,
de direita,
machista,
gordo,
feio,
ainda assim era meu amigo.
ele me dizia que o sexo movia a vida
e eu o condenava
hoje, com a libido a mil,
dois dias para menstruar
o ar condicionado da biblioteca
fez meu seio apitar
encostei ele na mesa
sem querer
e gostei.
pensei em você/
lembrei do meu amigo
e ri/
por fim
concordei

quarta-feira, 22 de maio de 2019

Ciudad triste:
No detienes más
el monopolio de mi corazón.
Este acoso absurdo es mío.

segunda-feira, 13 de maio de 2019

Mensaje desenfrenado

me había propuesto no volver a escribir
Cadena
pero tu recuerdo en estos días de luz
calienta mis dedos y las ganas
de poseerte aunque solo sea en el papel
o doble check de WhatsApp.

Meu ímpeto

tenho feito as malas aos poucos, juntando as peças que quero levar. não para partir, sim para voltar e poder te lembrar o desígnio do que poderemos vir a ser, quem sabe. eu, não penso mais no confuso passado que insiste em aflorar. eu, só quero pensar no presente futuro e conseguir, junto contigo, conjugar esse tempo intenso que acontece agora. hoje, decidi parar de pisar em ovos para quando finalmente vier a emergir desse mergulho que dei de cabeça, num ímpeto de fé em minha intuição, consiga por fim visualizar o que tanto tens me perguntado e nunca, nem de longe, com sucesso eu tenha respondido. mas quero que saibas que não precisei consultar nenhuma lista antiga ou nova, apenas senti e venho lutando, ainda que com apenas a metade dos dentes, para não ser distraída ou descuidada.

sábado, 27 de abril de 2019

Amor burguês



Aprovaram a reforma
Proibiram concursos e 
Esticaram para sempre
nossa probabilidade de
juntar as escovas de dentes

A possibilidade tão sonhada
de poder acordar sem pressa
sentar à mesa e te lembrar:
passaram-se dez anos
hoje vamos nos casar.


Otimismo naufragado


Não posso exigir
nada
Talvez você 
vença 
E eu te 
esqueça
Quem sabe eu 
te escute e

desapareça 

Para ler antes de deitar

Comprar um fusca
de segunda ou terceira mão 
e viajar o nordeste inteiro 
com teu riso ao lado.
Este é um dos meus planos

ele não pode falhar.

segunda-feira, 22 de abril de 2019

Outro rio




Sempre fomentei um Rio imagético em meu imaginário através da MPB cantarolada na infância,  
chorada na adolescência e degustada na maturidade. 
Não foi o estado que eu conheci. 


Lá,
eu cantei João Bosco e dancei Jorge Ben Jor bêbada, em um bar da Lapa.
No mesmo recinto cantei e não chorei. 

Na Praia Vermelha passeei com Francisco,
e a cada minuto de vislumbre respirado me vieram lembranças de outro
Francisco, meu avô.

Lembrei-me da carta e do desenho de coala que fiz para enviar pelos correios a Fausto.

Na verdade quem levou o desenho foi Seu Chico, para o Rio, esse mesmo estado
que agora é outro.

Lá, precisei desesperadamente de um abraço e não tive por motivos ainda obscuros e irredutíveis em minha mente.
Leonino só complica, isso é um saco.

Quero muito acreditar que somos as memórias que construímos, 
As quais insistimos em apostar 
na esperança de uma vitória saborosa, com gosto de sotaque. 

Cá,
me sinto renovada, mas não como também erroneamente imaginava.

estou banhada de realidade

Quanta expectativa genuína 
por algo que vale a pena
Por alguém que todavia irei me tornar.

Lembro como se fosse agora o momento em que dancei Novos Baianos acompanhada. 



Eu voltei. Mas fiquei um tiquinho lá.

quinta-feira, 18 de abril de 2019

A ficha caiu

I

Escrevi este poema pensando em você 
ou na falta em que  tudo me fazias;
botei para fora todo e qualquer 
resquício de sentimento 
encaixei o floral na bolsa plena de afetos,
apenas mais uma tentativa frustrada
de não ser esquecida
coloquei meu vestido vermelho
para ir caminhar com teus medos.
há exatas 24h tenho passado mal, 
talvez um pouco menos que há 
dez dias quando estava há 
2.300km.

II

agora
11km nos separam
mas de nada adiantou 
mesmo
Nem vir 
até aqui 
e encarar 
essa tua  postura 
irredutível ao amor

Alguém me chame para beber.






quinta-feira, 28 de março de 2019

27 de março



O que levo nos bolsos

A chave
de casa
O dinheiro
amassado
A carta
rasgada
O celular
e todas as 
ligações
perdidas
não vistas
e ignoradas.


quarta-feira, 13 de março de 2019

Rascunho


O amor da sua vida
deve ser cheio de defeitos
igual ao meu.
Menos, é claro
que os seus próprios

Pode ser que ele venha
com caspas e orgulho
exacerbado, ou que
more em outro estado.

Pode ter pós doutorado
em melhor abraço
e especialização
de palavras cruéis

Pode ser seu chão, seu céu,
nunca a sua tumba.

quarta-feira, 6 de fevereiro de 2019

Ao camarada José

 25 de janeiro de 2019
        (primeira carta)


Tudo o que eu queria te dizer e não disse eu sussurrei olhando para ti, enquanto me abraçavas naquele abraço imenso que incrivelmente me cabia inteira, físico-emocionalmente. Por algumas vezes eu me assustei pensando que você me lia. Mas acho mesmo que era apenas expectativa de uma provável paixonite aguda, de uma não-principiante.

Lembro-me bem que uma vez, sentada no seu pau, você chegou a me perguntar com aquele sotaque insuportavelmente conquistador, desse idioleto cultural que você criou entre o Rio que te navega e o Rio que te traz:

  
— Que olhar é esse? Você tá querendo me dizer alguma coisa, Luanda? 

Foi em uma dessas vezes, duas, mais precisamente, em motéis diferentes, da nossa tour de motéis, em que pensei insanamente. E só, e somente só para desafiar o destino falei mentalmente:

— Eu te amo,  meu Zé, e não quero que tu saias nunca de dentro de mim. 

Mas falar essas coisas assusta a quem ouve e a quem diz. Eu poderia até fazer alguma paráfrase louca agora com algum poema de Neruda, ou de Benedetti tentando explicar esse sentimento que há em mim. Mas não quero guiar sua interpretação para nada. Estou aqui apenas escrevendo e pensando “nunca vou enviar essa carta, ainda é muito cedo para tudo isso”.

A vida foge a qualquer script, não é? Jamais imaginaria que no ano de dois mil e dezenove, chegando aos meus trinta e dois anos eu me apaixonaria novamente, logo eu que não estava buscando absolutamente nada, que estava bem cômoda no meu não-relacionamento de seis anos. É possível até que eu estivesse evitando tudo isso e, Deus sabe como tentei, e rezei, para encontrar um caminho de sensatez e de luz que me guiasse para o mais viável e menos doloroso sendero. 

Mesmo assim, como toda boa pagã brasileira, findei recorrendo a outros caminhos para ter certeza do que eu sentia.

Eu imagino tu rindo e revirando os olhos agora, “falando de Deus, vai falar do Mapa Astral agora pra justificar as coisas, ela é doida, ou se faz de doida”. E não sou nada disso.

E chegou o danado do Mapa Astral, ou melhor, o Mapa de Trânsitos onde incrivelmente apareceria um leonino que iria virar meu cotidiano de ponta-cabeça. 

Ainda lembro das palavras de Mesquita, o astrólogo, falando que um Professor; Leonino; Inteligente;  e Viajado; iria aparecer para mim e eu teria de me decidir, que se eu ficasse com ele teria até que mudar de estado. Para, pô! Só acho que isso é Deus mangando de mim, lá de cima ou de onde quer que esteja. Não tinha como aquele rapaz saber de sua existência, não tinha. Nem do seu signo, nem de outras coisas que ele falou lá também. 

Eu sempre acreditei que destino é a gente quem faz. Por mais que eu creia que existam "coisas predeterminadas" na vida que a gente vai ter que passar, a gente pode vir a adiar, adiar para sempre, ou enfrentar de uma distinta ótica. 

Eu, que sempre estrago tudo, não queria ter que decidir nada. Por que não poderia empurrar com a barriga uma vez mais, como tenho feito durante todos estes anos? 

Mais uma vez não decidi nada, minhas ações precipitadas tomaram prumo e resolveram a questão. Te afastei, te envergonhei e te perdi. E com sinceridade desesperançosa te digo que eu não sei como te colocar de volta na minha vida.

Eu tenho muito mais coisa pra te falar, mas acho mesmo que apenas pessoalmente, se eu conseguir te levar ao aeroporto. Isso que não foi dito aqui, ainda estou regurgitando e estou processando (essas palavras agora são minhas) para tentar entender o quê e como tudo isso aconteceu.

E eu sei que já te perdi, Zé. E dói saber disso e não ter tempo de fazer nada, absolutamente nada. Hoje, sexta-feira santa eu só temo te perder de vez e ficar com esse vazio para sempre, que bem poderia ser ocupado por um leonino arrumado&arengueiro.

Um beijo, vou estudar.