segunda-feira, 26 de agosto de 2019

Sou toda coração

Talvez a gente não tenha nascido para ficar com o amor da nossa vida. Pensei nessa frase e segui dirigindo, fazendo o caminho que sempre te pegava, atrasada, como sempre. Dessa vez estava adiantada, indo em direção ao trabalho. Adiantada na questão de horas, atrasada no acúmulo de trabalho. Precisava respirar. Olhei pra ponte e quis descer para olhar a paisagem. Essa ponte sempre vai me lembrar você, das vezes que passava por ela e ia te deixar ou te pegar na casa de tua irmã. Uma cunhada que nunca conheci.

Tenho pensado tanto em meus avós. Voinha sempre me dizia que eu nunca deveria entregar o ouro ao bandido, já meu avô me dizia tanta coisa, das muitas hoje lembrei da canção de Noel e da fala de voinho: só quero flores em vida. Será o benedito que eu nunca vou te dar flores? Tenho teu endereço, mas tu moras longe. Melhor deixar para lá. Ando cansada.

Talvez a gente não tenha nascido para ficar com o amor da nossa vida. Pensei em você, vislumbrei que pode ser a primeira frase do livro que farei para ti. Quem sabe daqui há uns anos você lê. Lembrei do sonho que você teve e uma vez me contou, gostaria hoje de estar nele, com nossas famílias juntas, na praia.

Tanto pensamento intenso borrado pelo descontrole. Minha aluna fez uma sinastria amorosa de nossos mapas. Uma vez um rapaz que eu gostei fez nossa sinastria, minha e dele, eu até hoje digiro sobre isso. Um cabra fez uma sinastria amorosa, por telefone, ainda lembro. Ano passado falei para ele no motel: quando quero gozar fecho os olhos e penso em você. Isso foi antes de te conhecer. Mas você nunca acredita em mim. É foda.

Difícil ser cem por cento gente boa e equilibrada e pensar "ele só está numa fase X, continua agindo desse jeito e ignora que vai dar certo", eu não sou assim. Te liguei porque estava com saudades, você me ligou talvez por estar também. Eu tenho certeza, você tem incertezas, isso não basta para mim. Eu sou hipócrita ao ponto de me expressar perfeitamente mesmo sabendo de todas as loucas consequências. Às vezes penso que seus comentários tóxicos têm razão, sou doida mesmo. Por você.

Recife, 26 de agosto de 2019.

sexta-feira, 23 de agosto de 2019

Em crise

Estou ouvindo Jards Macalé no alto sertão de Pernambuco. Lá fora há vida. Quero crer que estou de tensão pré-menstrual e meu mundo não está desabando sob meus pés. Enquanto a música toca dramaticamente nas alturas aqui nesse quarto a luz pisca, eu olho para os objetos que arrumei irracionalmente na mesa que não é minha,  na mesa em que não vou ficar, e confiro pela segunda vez se eu trouxe a lanterna que minha mãe me fez comprar quando passei em um curso noturno na federal. Desliguei o celular, minha gastrite está atacando e eu só penso em ir lá fora pedir uma pizza e comer vendo Netflix, mas sei que vou chorar. Não quero mais isso.

Gostaria muito que qualquer outra professora substituta mulher houvesse vindo junto comigo. Lembro que da vez passada quando vim à Ouricuri uma professora veio comigo, evangélica, jovem, recém casada. A convenci que deveríamos muito conhecer a noite de sexta-feira de Ouricuri e fomos, a pé. Perguntamos ao dono da pousada se havia uber, ele perguntou "o que é isso?", explicamos que era uma espécie de táxi mais barato, ele retrucou que já havia andado de táxi alguma vez, mas que na cidade existiam vários pontos de moto-táxi. Agradecemos e fomos a pé, falando do pouco da pouca estrutura da cidade que mal conhecíamos. Lembro que bebi, pensando em tudo e em ninguém, mas quem chorou foi ela, sem beber, em plena sexta, a plenos pulmões, falando de problemas pessoais que tinha com a mãe. Um gatilho ativado ao falar da festa de casamento, e do carinho que sentia pelos avós, mas não pela mãe. Ela como cristã vive esse conflito interno de haver brigas com a mãe, ela é evangélica, a única da família. A mãe não entende porque ela entrou na igreja. Lembro que ela não me deixou dormir, me fez contar todos os causos amorosos que tive, parecia estar se deliciando como uma leitura de um romance. Dias desses encontrei com ela e falei do amor da minha vida. Ela quer marcar um café para eu contar tudo, tenho evitado. Hoje eu gostaria que ela estivesse aqui. Naquele dia não, naquele dia ela não me deixou descansar, quando eu parava de falar sonolenta, imergindo no sono ela me despertava na cama solteira ao lado. Ia ser difícil descansar de qualquer jeito, o quarto era infestado de ácaros.

Hoje eu quis retornar àquela pousada, por ser perto do centro e haver a possibilidade de ir sozinha para algum bar. Beber e tweetar. Quem sabe mandar uma foto para o menino que eu gosto, outra pro meu pai, a mesma para mãe e irmão. Só pode ser TPM. Estou muito sentimental. Pensei em fazer outra promessa. Mas pensei em começar a não fazer promessas. Para a santa. Talvez comece a fazer para mim, e cumprir. Tudo está pesado dentro de mim e reduzo facilmente a pequenos atos irracionais, como o desejo louco de comer uma pizza e ficar de boa com isso. Ninguém me entende. Será mesmo? Às vezes penso se ajo para que ninguém me entenda porque fico feliz com esse não entendimento. Talvez não ser entendida me satisfaça nessa sociedade. Talvez não ser entendida me magoe entre os meus. Difícil ser eu. 

Encomendei dois florais. Estou pensando em como eu precisava de um agora. Sentei com um começo de crise de ansiedade e abri o computador e comecei a escrever. Está passando. Talvez eu seja dessas doidas compulsivas que em crise flui tudo. Talvez eu esteja bem em me aceitar finalmente assim. Eu queria gritar pro mundo a dor que estou sentindo, mas ninguém me entende, acho que nunca vai entender. Talvez eu realmente não saiba me expressar. Pode ser. A luz acabou de queimar.

quarta-feira, 7 de agosto de 2019

Mundo de fantasia

Eu não sei bem quando escutei isso pela primeira vez "Você vive no mundo da fantasia!", talvez tenha sido meu pai proferindo palavras voraces depois de eu haver feito algo que ele classificara como merda. O fato é que há mais ou menos um mês tenho ouvido isso toda terça-feira nas sessões de terapia.

— Você vive no mundo da fantasia.

Podendo haver alterações nesta sentença trocando o "da" por "de", "no" por "num" ou "o".

— Você vive o mundo da fantasia.

— Você vive num mundo de fantasia.

Eu fico me perguntando se eu perguntei a estas pessoas onde vivo. Mais fácil haver perguntado uma vez ou outra para aonde vou. Eu sei onde eu vivo, e não tem nada de fantasioso. Desculpa, eu não enxergo o mundo sob lentes cor-de-rosa. O que eu vejo me dói demais, de fato dói em mim. Fosse para escolher uma cor eu não sei qual seria, mas com certeza não seria cor-de-rosa, muito menos sépia. 

Uma vez durante a graduação encontrei meu orientador conversando com um professor que admiro muito, até hoje, embora ele tenha aspecto de gente maluca mesmo. Ele olhou pra mim, e ao me ouvir falando em espanhol com meu orientador colombiano proferiu: você é de espanhol? ah, veja como a tarde está sépia. Fiquei calada fitando os dois, imaginando se estavam chapados ou se havia alguma droga no copo de café de 50 centavos que eles estavam segurando. Meu orientador sorriu, como se os dentes me indicassem o caminho da saída, embora estivéssemos em um pátio livre, aberto, enxerguei o caminho da saída e deixei os dois com a impressão que um via o mundo em sépia, e o outro nas cores LGBTQ e havia me enxergado como uma suave amenaza.

Quando pequena minha mãe não me comprara nada cor-de-rosa. Nada. Eu chorava, porque todas as minhas amigas na escola, e na avenida Jules Rimet em Rio Doce, todas, sem exceção tinham peças rosas de roupa, calcinha, short, blusa, diadema, caneta, estojo, bolsa, enquanto eu não tinha nada. Eu tinha uma camisa que era verde limão cheguei, essas cores vibrantes que chamam de neon, ela tinha um pedaço rosa-choque e eu adorava usar essa camiseta só porque tinha esse pedaço cor-de-rosa-choque. 

Eu tampouco podia assistir o programa da Xuxa, assistia escondido sempre que podia. Não gostava, nunca gostei. Mas só porque me proibiam eu queria ver. Hoje em dia eu tenho caneta rosa, blusa rosa que fica encostada no guarda-roupas - talvez por ela ser de exercício e eu ser extremamente sedentária - e uma mochila cor de rosa cheguei que eu uso todos os dias. Parece que o trauma foi superado com semi independência financeira onde eu possa comprar o que eu quiser, da cor que eu bem queira.

Acho engraçado associar uma cor à "fantasia", delírios mentais. Eu talvez, se quisesse, poderia associar cor a sentimento, mas nunca o fiz. Qual seria a cor da alegria pra vocês? Não sei porque fiz essa pergunta. Na verdade quando quero perguntar algo sempre tem relação ao amor. Na verdade, eu queria ter escrito primeiro "Qual a cor do amor para vocês?". É por isso que minha psicóloga diz que eu vivo no mundo da fantasia. O que é viver no mundo da fantasia? Olha, eu não tenho óculos com lentes coloridas para ver o mundo em sépia, como o estimado professor de literatura, não tenho óculos cor-de-rosa para ver o mundo desde a nave da Xuxa, tampouco um amarelo para ver as coisas meio Dua Lipa. Eu creio enxergar o mundo como ele é, desde a perspectiva e experiência de vida que tive e pretendo ter. Sem filtro eu já erro, imagina pintando uma escada imaginária até um céu de sociedade perfeita. Que loucura.

Eu não concordo com muitas coisas que me são ditas. Acho que meu primeiro impulso é discordar, antes mesmo de ouvir. Não é que eu não ouça, eu não dou tempo para assimilar. Esse mundo é tão fodido, e por muitas vezes fui sempre cortada no que queria dizer, expor, me expressar que qualquer que seja a pessoa quando fala algo eu já penso "não concordo", e eu sei que estou errada. Porque tudo que é arbitrário é ruim. Tenho essa consciência.

Às vezes tenho vontade de levar uma amiga para conversar com minha psicóloga, porque quando escuto algumas coisas a vontade que tenho é de bocejar deliberadamente. Embora ali eu jogue as pedras no chão ao entrar, eu escuto coisas absurdas. Eu acho que ela não sabe escutar. O mais interessante é que na teoria do espelho tudo faz sentido. Estou aqui falando impressões que tive das minhas últimas terapias e isso quer dizer muito de mim. Bastante. 

Mas acreditem, eu não vejo o mundo cor-de-rosa. Ele perdeu a cor para mim quando meu primeiro cachorro morreu, Tek. Quando vi minha avó receber uma entidade em casa e dizer que tal coisa, se a gente fizesse, meu avô melhoraria e se curaria do câncer, me senti enganada e com raiva da minha avó  por muitos anos. O mundo perdeu a cor quando ele morreu. Hoje almoçando, cansei de ver Netflix e cliquei no botão exit do controle da tv, que pulou automaticamente para o Globo News, estava passando uma reportagem sobre feminicídio, onde havia uma adolescente ao lado da mãe falando que "a gente nunca está preparado para perder alguém". Meu pai virou no sofá e sentou. Eu fiquei bem séria fitando ele, que não me enxergava. É impossível ver o mundo cor-de-rosa quando a gente tem a consciência de que se pode perder alguém. Mês passado perdi o amor da minha vida, ou achei que havia perdido. Também quase perdi nosso cachorro, Leônidas, e passei maus bocados, apelei pro divino e fiz promessas que insistem em me dizer que não conseguirei cumprir. Hoje fiquei mal pensando que qualquer dia posso perder meu pai. Alguém pode dizer praquela psicóloga que eu não vejo o mundo cor-de-rosa? Ou melhor, digo eu. Que posso ser vista como frágil, como alguém que gostaria de subir na nave da Xuxa ou simplesmente ter a liberdade de assistir essa merda de programa.