quinta-feira, 22 de julho de 2010

Pensamentos Voláteis



Vejo o povo pela janela
e o dia passa mais rápido

Vejo homens,mulher velha
 e um rapaz esquisito.

Rosto branco,cabelo ruivo
 e um colar de latão.

Num bairro popular, com
carro popular, rosto familiar

Eu poderia amá-lo.
Posso amar os
mutilados de alma

Os mais carentes
de desejos que
contradizem
o medo

Mas eu não quero.
A chuva vem, o fumê
escurece o carro

Em meus devaneios
imagino um acidente
e uma ligação

Eu,
toda ensanguentada,
com pernas dormentes
sussurro ao plantonista:

Diga-lhe que não o amo,
mas poderia amá-lo.

segunda-feira, 19 de julho de 2010

Final de Julho


Nasci no dia vinte e sete, do sete, de mil novecentos e oitenta e sete, às sete horas. Meu número da sorte é 6, não sei por que, mas é. 

Meu nascimento estava previsto para depois do dia 29, mas cismei de nascer no dia do aniversário da minha avó.

Em toda minha infância tive aniversários felizes, sempre um bolo com três velas - uma para mim e duas representando a idade de minha avó - coleguinhas, brigadeiro, cachorro-quente, música, etc...

Naquela época era viciada num vinyl de Miriam Makeba e sempre pedia ao meu pai - cadê a música da pulga? eu quero! - e todos os convidados em miniatura começavam a pular e dançar o que eu sempre imaginei ser "tá com pulga na cueca, pati pata pata" (sempre fui péssima de ouvido e sou pior ainda cantando). 

Na minha adolescência as coisas já começaram a mudar, eu tinha quase sempre que ceder e ir comemorar "meu" aniversário na casa da minha avó. Após tantos anos cedendo ela cansou de ouvir o pata pata e eu tinha que entender e zé-fi-ni (palavras da minha mãe).

Passada a puberdade, comecei a me preocupar como seria triste meu aniversário depois que minha avó materna viesse a falecer. Seria sempre aquele vazio, aquela alegria chorosa que minha mãe iria ter todo 27/07. 

Eu não teria mais que comprar presente, não veria mais da metade da minha família materna ou pessoas do terreiro, não comeria mais manjar dos deuses e o tradicional salpicão da minha tia. 

Supunha que seria triste, mas como quase sempre a teoria chega a ser infinitamente menor que o mundo real. E, é. Demorei anos a me acostumar com a ausência, até conseguir enxergar essas datas de forma diferente. As vida torna-se difícil quando falta um pedaço na gente.

sábado, 17 de julho de 2010

Idiotia secular



Jamais escrevi, acreditando escrever, jamais amei, acreditando amar. Como obter a maturidade que só chega com o tempo, sem contrapor-se ao tempo presente? A sede de viver cega aos famintos e sedentos. 

Esse desrespeito secular que as mulheres têm por si mesmas sempre me pareceu um erro catastrófico, essa mania de medo de ser subjugada vem de berço. É do berço que começa toda essa merda. 

É preciso esforço para construir uma muralha por trás de um horizonte tão delicado. Um esqueleto e músculos não bastam, é preciso mais. Uns gramas a mais de alma em cada mente contemporânea.

Hoje queremos nossas conquistas do bolso ao coração. Ser romântica nesse século custa caro e normalmente nunca valemos o preço que cobramos. Já o príncipe encantado, se algum dia existiu, se foi, levando consigo toda a áurea que nos encandeava.  

Como permanecer firme e fiel na linha de pensamento que acreditamos sem nos desviarmos pela euforia dos transeuntes e seguir naturalmente a evolução dos princípios e raciocínios? Agora é a época da barbárie.

Sinceridade acima de tudo, exigimos, e somos apunhaladas por rostos conhecidos e sorridentes. Lealdade, suplicamos em nossas mais constrangidas rezas por confundi-la com fidelidade.

O desapego falado com tanto alarde, explicado com tanta minúcia é resultado das experiências, das tentativas de menos baques, menos frustrações, menos surpresas. Esse "objeto de desejo", essa abstração como lema da noite e da vida é um escudo, um tijolo a mais para que a muralha se fortaleça e cresça. 

Eu nunca gostei de jogar.

quinta-feira, 8 de julho de 2010

Desabafo a um amigo






Recentemente o cachorro de um amigo morreu. Eu senti algo esquisito enquanto o ouvia falar. Pensei a princípio, que a angústia era pela ligação, tanto tempo sumido e àquela ligação.

Ele é daquelas pessoas sazonais na minha vida. E entendam sazonal como sazonal (sazonal adj. 2 gén. 1. Relativo a sazão; próprio de uma estação do ano. 2. Que tem a duração de uma estação.) e não tentem interpretar de forma errônea. 
Aprendi a dar mais valor quando surgem pessoas em nossas vidas e, também, a dar quando partem.

É uma espécie de lag esse defeito que tenho. Classificaria como retardo de tempo do coração. Meu lag diminuiu hoje e, como consequência, chegou uma enxurrada de informações.

Tek era um cachorro vira-latas comprado na av. Dantas Barretos como presente do meu 5° aniversário. Comprado pelo preço de um pastor-alemão ele continha todas as características de um, mas apenas enquanto miniatura, sua estatura me supreendeu a conseguir passar da altura de meus joelhos.

Nessa idade eu não tinha amigas na rua, porque onde morávamos só havia meninos. E meus pais não gostavam muito quando eu subia em árvores, soltava pipa e jogava bola no campinho com os garotos.

Tomei Tek como meu bom ouvinte e escudeiro por muitos anos, até chegar à puberdade e a internet. Os anos foram passando e nós nos mudamos, mas um quintal e uma casinha de cachorro maiores não lhe bastaram.

Resolvemos conseguir-lhe uma namorada. Não encontrando nenhuma à altura e a idade chegando, pensamos em comprar outro cachorro para tomar postos quando Tek se fosse.

Ganhamos pretinha. Preta tinha todas as características de uma fila impecável, só que também sua estatura não chegou aos meus joelhos. 

Mais um vira-latas. Foi o destino. O destino encarregou-se de transformar seu substituto em companheira.
Preta injetou vida na doída artrite do velho cachorro. E surpreendentemente ele uivava novamente e pulava, feliz, todo contente.

Assim também ocorre na vida bípede racional. Não conheço um homem mais velho que não se sinta mais vivo, com mais vigência, quando arranjam uma nova companheira, parceira (ou nos tempos de hoje: uma ficante).

Como o cotidiano e as casualidades não são um conto de fadas, além da artrite e da otite, Tek foi submetido a algumas cirurgias, sempre resistindo bravamente até chegar à hora do cansaço, da saturação.




Cheguei um dia em casa e meu pai me esperava no sofá. O cachorro já estava bem doente mas tive que sair para cumprir as malditas obrigações do dia a dia.

Ouvi apreensiva à narração fúnebre que me fora relatada - não havia solução, estava velho demais para aguentar uma anestesia e iria ser sacrificado - chorei e continuei escutando vagamente até cair a ficha que Tek, o danado, havia aguentado a anestesia e fora operado!

Meu pai mentiu pra mim (alguém crê?) aumentando minha angústia pela simples felicidade de poder falar sumptuosamente que o cachorro era valente.

Antes que eu pudesse xingá-lo de qualquer coisa que me arrependesse amargamente corri para o quintal alertada que estava dopado, triste e deitado.

Ao ouvir minha voz o cão veio, grogue, fraquejando, se arrastando com as patas condenadas, que já estalavam a cada passe. Crec, crec, crec. Chorei alisando sua cabeça como fazia quando tinha 5 anos.

E o destino atravessou o caminho de Tek outra vez.

Minha avó estava doente, internada há meses no hospital, deu entrada por uma fratura proveniente de uma queda no banheiro e não saiu mais, pelo câncer descoberto. Maldito cigarro.

Acreditem quando falam que o animal é sensitivo. A ausência da minha avó fez sua tartaruga parar de comer e definhar. Antes que houvesse uma hora marcada no veterinário, acabou sendo comida pelos ratos.

E nossa ausência em casa acelerou a morte de Tek. Passou a ficar o dia inteiro deitado, e tinha de ser virado a cada  três horas. Providenciei um colchão. Parou de comer a ração, e eu passei a lhe dar comida pastosas pela seringa. Fechou a boca. Preguei na parede, um soro e ele só me olhava. Foram penosos e longos quinze dias seguidos.

Chamaram um veterinário para lhe dar uma última injeção. Saí de casa, não quis ver, mas burramente voltei na hora da execução.

Minha mãe chorava e meu pai, que é mulato, estava pálido. Providenciamos um enterro semi-digno no campinho aqui na frente de casa. Não me ocorreu que pudessem vir as cheias e levar seus restos mortais, as últimas lembranças concretas do meu amigo.

Me desculpe.

sexta-feira, 2 de julho de 2010

Maiakóvski de novo, porque me toca e me convém










Então,
de todo amor não terminado 
seremos pagos 
em inumeráveis noites de estrelas. 
Ressuscita-me, 
nem que seja só porque te esperava 
como um poeta, 
repelindo o absurdo quotidiano! 
Ressuscita-me, 
nem que seja só por isso! 
Ressuscita-me! 


Maiakósvki