terça-feira, 15 de fevereiro de 2022

Fermín

Contam as más línguas fraternas que quando eu era pequena não permitia ninguém olhar meu pescoço ao ponto de dar um escândalo, cair no pranto. Há fotos no batente antigo do terraço da casa de Rio Doce onde vivemos treze anos, d'eu pequena, roliça, chorando com meu short rosa e blusa branca.

Mainha tinha mania de fazer um coque nos meus cabelos rebeldes e eu chorava e ela não entendia. Acho que desde que nasci nunca mais eu parei de chorar. 

Décadas depois, ou talvez bem antes, esta história retoma à vida em meu cotidiano igual a bolsa de lixo que não afunda nunca em rio urbano. Qual seria o motivo do choro? Eu francamente não tenho a precisa resposta, talvez mais tarde, com alguns anos de divã na análise eu consiga vir a responder. Talvez, também, eu tenha a resposta agora, embora esteja segura que se realmente eu começar a escrever o que sai do coração, ou ainda tentar descrever o caos que levo comigo, acordarei com os olhos inchados de dormir aos prantos. 

Acontece com todo mundo que chora o dia inteiro, e dorme em cima do choro, de acordar igual a uma japonesa com olhos pequenos e bochechas largas? Eu finjo que é alergia, invento qualquer excusa mas não admito que foi a dor derramada, o pranto mofado que mela lençol, fronha, roupas, entope ouvidos, mas não é forte suficiente para expressar nada conciso.

No primeiro ano de análise, depois de um ano de terapia sem sucesso, Gilberto me disse que ali era um local seguro para falar de mim e do meu lado mais sombrio. Eu não sei por qual prisma ele me via mas tenho certeza que não era o certo.

Uma vez meu amigo Luiz me disse: caramba, queria que minha psicóloga mandasse eu fazer isso. Essa frase chegou ao meu subconsciente como bem explicitou Gilberto, o analista, uma vez: a gente fala, fala, fala, e o que cola, o que fica é o que deve ser trabalhado. Tanta merda Luiz me disse e essa frase colou na minha cabeça, e ele se referia ao conselho belo e bizarro que minha antiga psicóloga falou: se toque.

Lembro que na minha primeira sessão de análise eu passei um bom tempo ocupada criticando minha antiga psicóloga e mais da metade falando do meu primeiro encontro com Alessandro. Daí veio outra frase colante: você fez tudo errado (óbvio que o analista não disse isso mas foi o que ficou até hoje na minha mente). 

O fato é que eu não deixo, não gosto, e me ensinaram a não deixar ninguém tocar na minha cabeça. Ensinamentos tronxos de mãe e crente. Ensinamentos tronxos de mãe e crente nos marcam para sempre.

Se quando criança eu me sentia exposta ao mostrar um pedaço do pescoço, hoje adulta sinto pudor quando alguém me beija à testa. Esse pedaço de corpo carente de olhar e carinho. É tão sincero o beijo na testa. Como se apenas existisse esse caminho doce e sincero quando a vida é muito mais.

Talvez desde menina trouxesse dentro este caos hoje formado e assombroso, mas eu nem sabia falar. Será que nasci para sofrer e tocar os outros aos poucos com minha verdadeira face? Eu não sei, já se vão três décadas de não saber.


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