quinta-feira, 8 de julho de 2010

Desabafo a um amigo






Recentemente o cachorro de um amigo morreu. Eu senti algo esquisito enquanto o ouvia falar. Pensei a princípio, que a angústia era pela ligação, tanto tempo sumido e àquela ligação.

Ele é daquelas pessoas sazonais na minha vida. E entendam sazonal como sazonal (sazonal adj. 2 gén. 1. Relativo a sazão; próprio de uma estação do ano. 2. Que tem a duração de uma estação.) e não tentem interpretar de forma errônea. 
Aprendi a dar mais valor quando surgem pessoas em nossas vidas e, também, a dar quando partem.

É uma espécie de lag esse defeito que tenho. Classificaria como retardo de tempo do coração. Meu lag diminuiu hoje e, como consequência, chegou uma enxurrada de informações.

Tek era um cachorro vira-latas comprado na av. Dantas Barretos como presente do meu 5° aniversário. Comprado pelo preço de um pastor-alemão ele continha todas as características de um, mas apenas enquanto miniatura, sua estatura me supreendeu a conseguir passar da altura de meus joelhos.

Nessa idade eu não tinha amigas na rua, porque onde morávamos só havia meninos. E meus pais não gostavam muito quando eu subia em árvores, soltava pipa e jogava bola no campinho com os garotos.

Tomei Tek como meu bom ouvinte e escudeiro por muitos anos, até chegar à puberdade e a internet. Os anos foram passando e nós nos mudamos, mas um quintal e uma casinha de cachorro maiores não lhe bastaram.

Resolvemos conseguir-lhe uma namorada. Não encontrando nenhuma à altura e a idade chegando, pensamos em comprar outro cachorro para tomar postos quando Tek se fosse.

Ganhamos pretinha. Preta tinha todas as características de uma fila impecável, só que também sua estatura não chegou aos meus joelhos. 

Mais um vira-latas. Foi o destino. O destino encarregou-se de transformar seu substituto em companheira.
Preta injetou vida na doída artrite do velho cachorro. E surpreendentemente ele uivava novamente e pulava, feliz, todo contente.

Assim também ocorre na vida bípede racional. Não conheço um homem mais velho que não se sinta mais vivo, com mais vigência, quando arranjam uma nova companheira, parceira (ou nos tempos de hoje: uma ficante).

Como o cotidiano e as casualidades não são um conto de fadas, além da artrite e da otite, Tek foi submetido a algumas cirurgias, sempre resistindo bravamente até chegar à hora do cansaço, da saturação.




Cheguei um dia em casa e meu pai me esperava no sofá. O cachorro já estava bem doente mas tive que sair para cumprir as malditas obrigações do dia a dia.

Ouvi apreensiva à narração fúnebre que me fora relatada - não havia solução, estava velho demais para aguentar uma anestesia e iria ser sacrificado - chorei e continuei escutando vagamente até cair a ficha que Tek, o danado, havia aguentado a anestesia e fora operado!

Meu pai mentiu pra mim (alguém crê?) aumentando minha angústia pela simples felicidade de poder falar sumptuosamente que o cachorro era valente.

Antes que eu pudesse xingá-lo de qualquer coisa que me arrependesse amargamente corri para o quintal alertada que estava dopado, triste e deitado.

Ao ouvir minha voz o cão veio, grogue, fraquejando, se arrastando com as patas condenadas, que já estalavam a cada passe. Crec, crec, crec. Chorei alisando sua cabeça como fazia quando tinha 5 anos.

E o destino atravessou o caminho de Tek outra vez.

Minha avó estava doente, internada há meses no hospital, deu entrada por uma fratura proveniente de uma queda no banheiro e não saiu mais, pelo câncer descoberto. Maldito cigarro.

Acreditem quando falam que o animal é sensitivo. A ausência da minha avó fez sua tartaruga parar de comer e definhar. Antes que houvesse uma hora marcada no veterinário, acabou sendo comida pelos ratos.

E nossa ausência em casa acelerou a morte de Tek. Passou a ficar o dia inteiro deitado, e tinha de ser virado a cada  três horas. Providenciei um colchão. Parou de comer a ração, e eu passei a lhe dar comida pastosas pela seringa. Fechou a boca. Preguei na parede, um soro e ele só me olhava. Foram penosos e longos quinze dias seguidos.

Chamaram um veterinário para lhe dar uma última injeção. Saí de casa, não quis ver, mas burramente voltei na hora da execução.

Minha mãe chorava e meu pai, que é mulato, estava pálido. Providenciamos um enterro semi-digno no campinho aqui na frente de casa. Não me ocorreu que pudessem vir as cheias e levar seus restos mortais, as últimas lembranças concretas do meu amigo.

Me desculpe.

2 comentários:

  1. nossa, segundo relato do falecimento de um cachorrinho que eu leio em menos de 24h :(

    agora ele tá aliviado, feliz por ter vivido todos esses anos com a sua família!
    beijo!

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  2. A voz da Rita Lee com os arranjos dos Mutantes ecoam durante o texto.

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